Porque é que um mesmo eu tem tantos eus diferentes que no mais profundo acabam por ser só um?
Que complicação.
Que complicação na alternância de estados. Há vezes em que o sol brilha -sem queimar-, está tudo equilibrado dentro do ser. Há força pra levantar de manhã e começar energicamente um novo dia (mesmo que se tenha deitado tarde), com toda a vontade e confiança para fazer desse dia um dia feliz. Vezes em que se sente que se consegue tudo, que viver é bom, em que se dá graças pelo que se tem e em que não há receio de nada, porque se sabe que está tudo bem e que tudo vai acabar bem de qualquer maneira. Nada é demasiado importante para nos preocupar. Em harmonia com tudo e com todos, com a capacidade de sentir um amor fraterno por todas as pessoas e de sorrir apenas pelo efeito da beleza de uma flor.
Noutros dias, tudo é diferente.
O sol, lá fora, até pode brilhar...mas está tudo fora de nós. Que sentido faz passar o dia a trabalhar? Apetece somente dormir um sono imenso, e pesadelo é ter que levantar. Um imenso estado de letargia e sensibilidade. Está tudo indefinido em redor, e alguma agonia, angústia, nostalgia, melancolia tomam o ser de assalto, provocando uma retracção da qual não se quer sair. Só fugir, esconder.Fechar. Os olhos e a alma pesados. Não há confiança, sente-se uma incapacidade pra fazer da nossa vida, vida, e só dá pra ficar à deriva. Com medo. E neste estado, as pessoas à volta vão sofrer de uma maneira ou de outra. E ainda sofremos mais por fazê-las sofrer.
E às vezes basta tão pouco para transformar um estado, noutro.
Uma palavra, um gesto, um sorriso? Um abrir e deixar as retracções de fora, ser autêntico, deixar de ter medo de mostrar, de aproximar? Mas não poderá isso mesmo também ser o desencadeador de um estado difícil para quem se dá? Não será um ciclo? Valerá a pena arriscar?
Quase há um ano atrás, tinha começado o dia cheia de força, a sair prá rua de sorriso no rosto e vontade de dizer bom dia a toda a gente. A notícia má e surpreendente chegou-me ainda na rua, como resposta ao meu bom dia sorridente. E logo ali, o equilíbrio abala-se, a complexidade do estado de alma aumenta, e nem se sabe bem como se sente. Mas, visto agora de longe, ter começado o dia com essa atitude, penso ter-me ajudado a encarar a situação. Não seria Alguém a querer dizer-me que esse "ficar forte" tem de ser manter em qualquer situação, por mais assustadora que possa ser para um frágil humano? Essa serenidade que vem dEle e que devia ser contínua.
Os sentimentos são uma coisa muito própria, pessoais e intransmissíveis. Não existe um espelho capaz de os reflectir como são sentidos. As pessoas são todas diferentes, e este cenário de estados de alma, de sentimentos...não afecta todos de igual modo. As maneiras de sentir são diferentes, como diferentes são as formas de sentir da parte masculina e feminina. Bom era se eu conseguisse em alguns sentires, em algumas formas de encarar as coisas, ser mais semelhante ao protótipo masculino. O inverso também seria favorável. Mas nesse caso seríamos seres perfeitos.